segunda-feira, 29 de novembro de 2010

VISÃO FILOSÓFICA DO COTIDIANO, SÉCULO XXI


Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café tipo "break fast", todos comiam vorazmente. Aquilo me fez refletir: Qual das situações mais os satisfaz ou até produz felicidade?Na volta para casa, encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às dez da manhã, e perguntei:
Não foi à aula? Ela respondeu: Não, tenho aula à tarde. Comentei: Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde. Não, retrucou ela, tenho tanta coisa de manhã... Que tanta coisa? perguntei...Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina, e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Comecei a pensar mais profundamente sobre o COTIDIANO DAS PESSOAS. Estamos construindo super-homens e super-mulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados. Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1970, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não temos nada contra malhar o corpo (exercício é sadio), mas nos preocupamos com a desproporção em relação à malhação do espírito. O pessoal acha ótimo, vamos todos morrer esbeltos: Como estava o defunto? Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite! Mas como fica a alma? A questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?
Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual.Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual. Somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. E somos também eticamente virtuais...Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres para se chegar a determinado lugar: Se tomar este refrigerante, calçar este tênis, usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá! O problema é que, em geral, não se chega, pois não é esta a melhor maneira de caminhar na vida de forma que o lugar a se chegar seja uma bela conseqüência natural e espiritual dela. A idéia que se tem é de quem cede ou contraria aqueles parâmetros distorcidos desenvolve de tal maneira o desejo escondido do que abandonou, que acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste sem saber por que, aumenta a neurose.Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um Shopping Center. É curioso: a maioria dos Shoppings Center tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa ou de culto de domingo.
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E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas e, ainda, esporádicos casos de assalto ou violência. Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista.  Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se numa espécie de purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na comunhão pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do Mc Donald...Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: Estou apenas fazendo um passeio socrático, filosófico. Diante de seus olhares espantados, explico: Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia:
Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz!
Prof. Angelo M. Moreira da Rocha (adaptado de original de Frei Betto)


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